segunda-feira, 19 de julho de 2010

No subject


Não, a última semana não foi de tantas papelices como a anterior. Eu simplesmente estava vazia para escrever. O sentimento que devem ter os troncos ocos, um Kinder Ovo sem surpresa. Trabalhar no que trabalho me deixa tão triste, tão triste, tão irritada, tão desesperançada, tão desrespeitada, tão vilipendiada (olha o mofo!), que vez por outra chupa até minha grande alegria de digitar. Arrasto-me para cá de volta, obrigatoriamente, com o coração ainda de pijamas. Protesto, faço luto, mas volto.

É óbvio que o leitor pensou coisas óbvias. Que eu mude de emprego, que eu largue essa vida mal-amada de professora do município. É óbvio, também, que essas coisas óbvias eu mesma já pensei. Sem ajuda, acredite. Se ainda não as realizei, num ato de fúria desesperada ou coragem suprema, é porque infelizmente não me falta racionalidade. Ou falta no lugar errado.

Largar o município significa largar um trabalho estável, imperdível (a não ser que se defenestre algum aluno, o que já não acho tão irreal), de "apenas" 16 horas semanais – fora de casa, é claro –, e que ainda por cima dá direito à meia-entrada em cinemas e afins, o que não é pouca vantagem para uma cinéfila. Fora o salariozinho que, sem ser especialmente bom, consegue mais-que-dobrar o pagamento do estado. Seria maravilhoso se não fosse uma &%$#*%&. Se não me subisse o sangue a cada vez que um aluno me xinga (mesmo que para não ser ouvido). Se não me incomodasse o fato de ir perdendo a voz dia após dia. Se não me amofinassem os deboches, as malcriações, as desobediências e todo o pacote que enfrentamos para, ao final, sermos recompensados com uma nova caçambada de notas vermelho-sangue. Notas de gente que, apesar de todos os nossos pesares, pode ter ouvido a aula mas sacudiu-a da cabeça na primeira esquina. Jogou-a na primeira lixeira laranja da rua. Se é que a jogou na lixeira em vez de acertar um transeunte pela janela do ônibus – que nem isso aprendem.

O que quero da vida? Ter a decência de, algum dia, atirar as malas para fora da gaiola de ouro e sair batendo a porta. Ser insanamente saudável no lugar de me manter, semana após semana, bimestre após bimestre, irrepreensível e responsavelmente infeliz.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Papelite aguda


Que semana. Sem um espacinho no meio para dar uma passada aqui no blog. Semana de últimas corrigices, fechamento de notas, conselho de classe no município, muitos, muitos, muitos, muitos (e outros muitos) papéis.

Obviamente precisamos registrar a papagaiada toda – notas, faltas e todos os etcéteras. Faz parte. Mas a coisa é não só excessiva como obsessiva. A cada mês, a cada ano nascem mais papéis, como gremlins molhados. No estado, algum'alma evoluída resolveu que, a partir de agora, lançaríamos os numerozinhos direto na internet, sem necessidade de celuloses que não sejam, claro, as nossas anotações pessoais. No município, o obscurantismo idade-médio prossegue sem data de validade. Tive de preencher as mesmas informações nas folhas individuais que os professores recebem, na folha geral que é usada para todos os professores e, dentro do $%&$#&% diário de classe, em duas páginas praticamente seguidas. Isso para cada turma, é óbvio. Todo ano o pessoal de cima se junta para debater como tornar o diário de classe o mais inconveniente e improdutivo possível. Tenho estudado convidar o MST para assentar nos meus diários. Latifúndios de informações vazias.

Por algum motivo que me foge à compreensão, a Secretaria insiste em não perceber que o tempo perdido em criar enredos fictícios para os 2.672.980.764 buraquinhos do diário – visando exclusivamente à inspeção, o nosso temido boi-boi-boi-da-cara-preta – seria adoravelmente fundamental para pensarmos em alguma coisa para a sala de aula de verdade, deste lado de cá do espelho. Tão forçados somos a anotar planejamentos que, definitivamente, não temos chance de planejar. Somos produtores de um carrossel oco e surdo de celulose, uma montanha de papel que relata contos de fadas produzidos para fiscal ver.

E o fiscal nem dorme ao som de nossas historinhas. Confere as letrinhas, satisfeito, como bruxa que se alegra com nossos dedos enfim gorditos. Daqui a algumas viradas de ampulheta, manda incinerar toda a nossa papelada trabalhosa, feliz com o dever cumprido.

No ano seguinte tem mais.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Holandizemo-nos


É, o canarinho pousou. Deu não. Fiquei chateada, é claro. Não tanto pelas folgas futuras (depois do jogo de sexta, a Copa não me renderia mais nenhuma anyway), mas pelo Brasil mesmo, que a gente não é de ferro. Fiquei chateada sim, mas não com a Holanda. Pelo contrário: agora estou torcendo por ela. Além do fato de a Laranja nunca ter levado nenhum caneco – o que soa absurdo diante de sua reputação mecânica –, admirei sinceramente aquela capacidade disciplinada, europeia, de tomar um gol e se reerguer. Acabar o primeiro tempo "levando" e se reinventar. Ter toda a torcida brasileira (estardalhaçante pela própria natureza) vuvuzelando nos ouvidos e fingir que nem aí. Não é pra todo mundo, sabemos por experiência própria: no primeiro golzinho – de empate! – que realmente ameaçou seu reinado na Copa, os meninos cá da terrinha cansaram de brincar e correram pra saia da mãe. Amarelaram – canarinhamente.

Não estou dizendo que era fácil a missão dos onze escolhidos de Dunga, ou que até minha avó faria mais um gol. Eu também tremeria nas bases. Também sentiria a pressão e, provavelmente, alguma tontura. Só que a Holanda sentiu igualmente, e infelizmente o mundo nos obriga a inevitáveis comparações – que servem, quanto mais não seja, de exemplos. Bons para autocrítica sem autoindulgência.

Vivos, levamos uma série ininterrupta de gols no primeiro tempo. Às vezes literalmente: chegamos à escola relaxados e, nos quinze minutos iniciais de aula, já fomos desrespeitados e estamos berrando. Descobrimos que um amigo (primo, colega, ex) anda espalhando fofocas não exatamente gentis. Somos recusados no emprego por não ter *** (complete: experiência, mestrado, domínio de Linux, mandarim fluente). Temos um livro recusado pela editora. Um projeto de pesquisa recusado pela banca. Um pedido de empréstimo recusado pelo banco. Falimos, demitimo-nos, adoecemos, perdemo-nos. Acontece. E a vontade é amarelar, correr às tontas, dar um pisão no primeiro adversário disponível. O pior: achar que qualquer outro gol nosso está fora de questão.

Duas consequências mais que certas. Em primeiro lugar, o jogo vai provar que estávamos corretos: não fazemos mais gol. O ato de fazer gol é impossível a quem não chuta e mete as caras, os corações, os pés. Em segundo lugar, achando-nos atarantados o bastante, o adversário faz mais um golzinho feliz – só pra garantir. E é justo, é muito justo, é justíssimo. Vitória se sela machucando rede, não coxa de holandês.

Quase sempre estou (canarinhamente) no time dos que se desesperam, começam a fragilizar defesas e correm contra o tempo sem grandes direções – não sabendo por onde começar a sair das abominações do município, por exemplo. Furada. Negócio mesmo é holandizar-se. Ter uma boa conversa consigo mesmo no vestiário, gritar que ainda rola muito jogo e, de preferência, botar em prática todos aqueles movimentos friamente calculados, ensaiados em momentos de relax. Fazer valer nossas duas metades da laranja, nossa docice e nossa frieza – o que temos de suculentamente emocionais e o que temos de técnicos, europeus, mecânicos.

Só falta me lembrar disso na próxima partida. E correr pro abraço.